terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

EU, FRIDA (3)

'Toda esta raiva simplesmente me fez compreender melhor que eu o amo mais do que a minha própria pele, e que, embora você não me ame tanto assim, pelo menos me ama um pouquinho - não é? Se isto não for verdade, sempre terei a esperança de que possa ser, e isso me basta...''

(Frida Kahlo)


Diego y Frida



Alfa, beta, gama... ondas de calor e energia viva me penetraram. Eu atingira um orgasmo.


Foi a primeira vez que esta sensação arrebatadora invadia o meu corpo. Sob uma bruma de sacanagens gostosas e de um amor também primeiro, eu me entreguei como num mergulho a este homem. Eu era uma adolescente e ele já era um homem experiente. Foi numa tarde de domingo gelado de agosto, o dia branco e calmo. Estávamos numa casa abandonada, com um colchão no chão e um micro system tocando Caetano Veloso. Nós sempre ficávamos ali, sem ninguém saber, por várias noites desde que nos conhecemos. Aquele era o nosso place of love.


_ Não fique presa, amarrada ao passado.

_ Agradeço de coração a sua preocupação comigo, mas eu não estou presa ao passado.  Não sou mais aquela garotinha de 17 anos ingênua, agora sou uma mulher vivida.

Ele parecia se sentir culpado, disse que o "eu" dele tinha roubado "ele" de "nós". Fiquei vinte anos sem qualquer notícia sua e falar novamente com ele foi a coisa mais inesperada e preciosa que poderia ter acontecido comigo. 


Foi num sábado. Eu estava trabalhando quando de repente toca o telefone. Chamada anônima. Atendi. Reconheci a voz de imediato, ao me recordar da fita K7 que ele me mandou da Europa com a narração das suas aventuras no Velho Mundo. Emudeci ao telefone, a ligação estava péssima então tive que fazer um grande esforço para entender o que ele dizia. Soube que agora ele morava em uma cidade próxima a Nova York, estava esquiando neste inverno, aguardando a temporada de vôos de parapente. Soube que ele tem dois filhos do primeiro casamento e casou-se novamente. Soube que ele continua a ser um homem idealista e sonhador, que ainda não se sente adequado em relação a sociedade. Soube que ele se recorda com carinho da nossa extrema identificação um pelo outro. 


_ Acho que um dia ainda vamos nos encontrar livres, ele disse. 


No dia em que ele foi embora, numa segunda-feira cinza, eu pensei: amor não pode ser egoísta, se eu o amo vou amar para sempre, por isso permito dentro de mim que ele parta em busca de seus sonhos. Abri a gaiola do coração. Um dia ainda vamos nos encontrar, eu pensava todos os dias. Ele me deixou uma bolsa de couro marrom com vários cartazes de bandas de rock e também um baseado enterrado que nunca encontrei. Acredito que aqueles eram os objetos mais íntimos que ele possuía, coisas que o ligavam a sua própria natureza. E foi tudo que ficou dele. Pois a sua ausência era tão rasgante que me fez buscar caminhos para o esquecimento.


Eu andava pelas ruas do Centro da cidade sozinha e entrei na Galeria do Rock. Estava olhando os vinis raros da loja de discos, quando de repente ele surge na minha frente. Coincidência? Dias antes peguei uma carona no carro com meu irmão e ele foi buscar o tal amigo que veio de São Paulo para jantarem na casa de umas garotas. Quando ele entrou no carro, se apresentou e não paramos mais de falar, até o fim da viagem. Dentro da loja, mais uma vez começamos a conversar e o bate papo rendeu-nos uma caminhada de nove quilômetros até o bairro onde morávamos. O terceiro encontro também não foi marcado. Desci para encontrar minha amiga Andreza na rua. Lá estava ele, me roubando de tudo e de todos com suas histórias extraordinárias. 


Deste dia em diante, não mais nos separamos, até o dia da sua partida. Meus pais aceitaram o namoro. Ele me disse que estava em Juiz de Fora de passagem, pois seu objetivo, ao voltar de São Paulo, era conseguir um visto para a Europa, onde iria morar e trabalhar. Eu cursava o segundo ano do segundo grau em um colégio particular e estava me preparando para fazer vestibular de Serviço Social. Tínhamos sonhos diferentes naquele momento, e eu sabia que logo logo ele iria embora e eu ficaria. Mas não era isso que ia nos separar. Continuaríamos namorando através de cartas por cerca de um ano, até ele retornar da Europa, onde não conseguiu se fixar, e ir para os Estados Unidos. 


Então aquele quarto barato de motel ficou todo rosado, essa era a cor que eu enxergava. Um rosa meio avermelhado, transparente, líquido. O Janelão, era como o chamávamos. Ele estava deitado na cama nu e eu em pé, nua. Ele admirava o meu corpo e me pedia para eu me mostrar. Tímida, eu rodopiava desastrada e começamos a rir. Caí em cima dele, que logo me abraçou e disse que eu era linda. Nos amamos intensamente àquela noite, consigo me lembrar como se fosse agora. Suas mãos fortes me conduzindo, nossos olhares de consentimento, ternura e desejo. Ele tinha uma ousadia que me liberava, não existia limites para o nosso prazer. Nos entregamos por inteiro, corpo burdo, corpo sútil. 


Sentia como se o mundo parasse de girar. Fui levada para uma nova existência, um lugar nunca antes ido. O amor é uma energia. Esta energia, vivida em sua força bruta, sem as barreiras do convencional, explodiu dentro de nós, gerou uma revolução interior. Ali, ele estava totalmente dentro do meu corpo, em cada orifício meu, mas não me sentia invadida nem violada, tudo era orgânico e prazeroso. Era como se tivéssemos um só pulmão para respirarmos e nem por isso sentíamos falta de ar. 


Vinte anos depois, ele me pareceu a mesma pessoa na fotografia. O tempo nos rouba a juventude, nos tira o impulso, nos faz medrosos. Mesmo assim, eu não deixo de sonhar com ele, Ronald. Fico imaginando-o a me olhar, com seus olhos infantis e dizer-me:

_ Você é o amor da minha vida.

(continua)

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